OS CONTOS DE FADAS - A verdadeira historia ...
Os contos de fada do passado frequentemente tinham finais macabros ou horrendos. Hoje em dia, empresas como a Disney formam as histórias para o esse novo público que parece incapaz de lidar com derrotas ou fracassos e precisa de finais felizes por toda parte.
Essa lista vai falar sobre alguns finais felizes com os quais estamos acostumados e contrastá-los com suas versões originais. Se alguém souber de mais contos de fadas cujo original não é tão indicado para crianças, fique à vontade para acrescentar nos comentários eles são importantes para o site ficar cada vez melhor.
Ai estão elas:
CHAPEUZINHO VERMELHO
A versão deste conto com que a maioria de nós está familiarizada acaba com Chapeuzinho Vermelho a ser salva pelo lenhador que mata o lobo mau. Mas, na verdade, a versão original em francês (por Charles Perrault) no conto não foi tão simpática.
Nesta versão, a menina é uma mocinha bem educada que recebe falsas instruções pelo lobo quando ela pergunta o caminho para sua avó. O Chapeuzinho Vermelho segue os conselhos do lobo acaba sendo devorada. E aqui acaba a história. Não há lenhador – não há avó – só um lobo gordo e uma chapeuzinho Vermelho morta. A moral desta história é não seguir conselhos de estranhos.
A versão desse conto que conhecemos é aquela em que Chapeuzinho Vermelho, no final, é salva pelo caçador, que mata o lobo mau.
A BELA ADORMECIDA
Na versão conhecida de A Bela Adormecida, a adorável princesa adormece quando fura seu dedo em uma agulha. Ela dorme por cem anos até que o príncipe finalmente chega, beija-a, e acorda-a. Eles se apaixonam, casam, e (surpresa!) vivem felizes para sempre. Mas, infelizmente, o conto original não é tão doce (na verdade, você tem que ler isso para acreditar.)
Essa sim tem um passado bizarro. Nas primeiras versões, ao invés de espetar o dedo numa agulha e cair desacordada, a bela adormecida tinha uma “farpa” encravada debaixo da unha. Parece uma mudança pequena, mas ela nos leva ao ponto que realmente importa. Nessa mesma versão, o príncipe não é tão encantado assim, e resolve, digamos… Se satisfizer na bela ainda adormecida. Depois de satisfeito, ele simplesmente vai embora. Nove meses depois, a adormecida dá luz a gêmeos que, em busca de leite acabam acidentalmente chupando o dedo dela, retirando assim a farpa amaldiçoada.
E a coisa não para por ai, o príncipe que a engravidou (estuprou) continuou voltando (se é que vocês me entendem) durante os nove meses. Quando ele chegou lá e encontrou a bela, já não mais adormecida e com duas crianças, ele decidiu se casar com ela (pelo menos isso, né?), mas ele não poderia levá-la ao seu castelo, pois sua mãe era louca e que tinha o habito de comer qualquer criança que aparecesse em seu caminho.
Por isso ele esperou alguns anos até que seu pai morresse e ele virasse rei para aí então poder levar sua mulher para seu reino. E assim aconteceu, mas na primeira viagem que ele fez, sua mãe resolveu comer seus dois netos, e não satisfeita, também sua nora. Mas, com a ajuda do cozinheiro a bela acordada conseguiu se esconder até o retorno de seu marido ,que quando ficou sabendo dos planos de sua mãe mandou mata-la.
Em outras versões, o príncipe na verdade já era rei, e a mãe louca era a esposa do rei, o resto é bem parecido. A esposa ciumenta quer, como vingança, comer (no sentido alimentício) os dois filhos bastardos do rei, mas acaba sendo descoberta e é queimada viva numa fogueira. Moral da história, se você encontrar uma mulher desmaiada num bosque, se divirta e não volte nunca mais.
A PEQUENA SEREIA
A versão de 1989 de A Pequena Sereia poderia ser intitulada “A Grande Sortuda”. Nessa versão da Disney, a princesa Ariel termina sendo transformada em um ser humano para que possa casar com Eric. Há uma festa maravilhosa com a presença de seres humanos e seres do mar.
No entanto, no original de Hans Christian Andersen, Ariel vê o príncipe casar-se com outra e entra em desespero. Oferecem-lhe uma faca com a qual ela poderia matá-lo, mas, em vez disso, ela salta para o mar e morre ao voltar para a costa. Hans Christian Andersen modificou um pouco o final para amenizar a história. Na nova versão, ao invés de morrer na espuma da praia, ela se torna “filha do ar”, esperando ir para o céu. De qualquer forma, ela morre.
Outra…
A grande diferença nesse conto está em seu final. Ao invés de se casar com o príncipe e viver feliz para sempre, a pequena sereia na verdade é abandonada por ele logo após ela beber a poção mágica que lhe transforma em mulher. Mas, como tudo tem seu preço, a poção tem um pequeno efeito colateral: durante o resto de sua vida a pequena ex-sereia iria sentir uma dor tremenda nos pés, como se eles estivesse pisando constantemente em facas. Vendo a traição, alguém (juro que não consegui descobrir quem) oferece um punhal para que ela tenha sua vingança. Mas, ao invés disso, ela pula no mar e “morre” se dissolvendo em espuma.
A BRANCA DE NEVE
No conto da Branca de Neve que todos conheceram, a Rainha pede a um caçador para matá-la e trazer de volta o seu coração como prova. Em vez disso, o caçador não pode mata-la e retorna com o coração de um javali. Agora, felizmente a Disney não fez muito dano a este conto, mas eles deixaram de fora um importante elemento original.
Essa história não foi muito alterada, mas omitiu detalhes importantes: no conto original, a rainha pede o fígado e os pulmões de Branca de Neve, que serão servidos no jantar daquela noite! Também no original, a princesa acorda com o balanço do cavalo do príncipe, enquanto era levada para o castelo. Não há nada de beijo mágico. O que o príncipe queria fazer com o corpo desfalecido de uma garota é algo que vou deixar para sua imaginação. Ainda na versão dos irmãos Grimm, a rainha má é na história original da Branca de Neve, a “madrasta malvada” (que em algumas versões não é madrasta e sim sua mãe original) não cai de um penhasco como é mostrado no final do filme da Disney, no final, a dançar até a morte usando sapatos de pedra, quentes como brasas.
Outra bizarrice nessa história é a idade da branca de neve. Na versão dos Irmãos Grimm ela tem apenas sete anos, ou seja, príncipes pedófilos eram normais naquela época. E ao invés de dar um “beijo de amor”, o principie carrega o CORPO MORTO (ou adormecido, se vocês quiserem) da branca de neve para seu palácio, para que assim ela estivesse sempre com ele (isso pode ser considerado um tipo de necrofilia?). Depois de algum tempo, um de seus servos, cansado de ter que carregar um caixão de um lado pro outro, resolve descontar suas frustrações dando uma baita SURRA na branca de neve. Um dos golpes desferidos no estômago faz com que ela vomite a maçã envenenada e assim volte à vida. Mas de todas as mudanças feitas através dos anos, a mais sangrenta foi em relação ao coração da Branca de Neve,fora isso ela também queria um jarro com seu sangue (acho que o caçador precisou mais que um cervo pra resolver isso). Vocês devem estar perguntando: “pra que tudo isso?”. Simples, ela queria JANTAR a branca de neve! Bizarro não!?
JOÃO E MARIA
Na versão largamente conhecida de João e Maria, ouvimos sobre duas crianças que se perdem na floresta e encontram uma casa feita de doces e guloseimas que pertence a uma bruxa. Elas então são aprisionadas enquanto a bruxa se prepara para comê-las. Eles conseguem escapar e atiram-na no fogo, salvando-se.
Numa versão francesa mais antiga (chamada As Crianças Perdidas), ao invés de uma bruxa, há um demônio, que também é enganado pelas crianças. Contudo, ele não cai na cilada e está prestes a colocá-los na guilhotina. As crianças fingem não saberem como entrar no instrumento e pedem para a esposa do demônio mostrar como se faz. Nesse momento, elas cortam seu pescoço e fogem.
Essa por si só já é assustadora, afinal, um pai que larga os filhos na floresta para morrer de fome não é lá o tipo de coisa que se lê para crianças certo!? Mas, numa versão mais antiga, a madrasta má, que pressiona o marido a lagar seus filhos na floresta, e a bruxa má são a mesma pessoa. Achei isso bem esquisito, mas as duas personagens tem personalidade bem similar. Outra alteração feita durante os anos foi com relação à própria bruxa que, em certa versão da história, na verdade é um casal de velhos psicopatas, e ao invés de cozinhar João, eles querem estripa-lo num cavalete de madeira.
Quando o vovozinho do mal sai para uma caminhada, a vovozinha manda Maria ajudar João a subir no cavalete, assim, quando seu marido voltar, tudo já estaria preparado. A esperta Maria finge não saber como colocar João deitado e pede para a velha mostrar como se faz. Quando ela deita no cavalete, João e Maria a amarram ela e rapidamente cortam sua garganta. Depois fogem levando o dinheiro e a carroça do casal de velhos sádicos.
CINDERELA
Na Cinderela moderna, nós temos a linda princesa casando-se com o príncipe depois que este viu que o sapatinho de cristal servia em seus pés. Esse conto tem suas origens por volta do século I A.C, no qual a heroína se chamava Rhodopis, não Cinderela. A história era muito parecida com a atual, com exceção dos sapatinhos de cristal e da abóbora. Porém, oculta por trás dessa linda história há a versão mais sinistra dos irmãos Grimm: nela, as irmãs de Cinderela cortam partes dos próprios pés para que eles caibam no sapato de cristal, querendo enganar o príncipe. Ele, então, é avisado por dois pombos, que bicam os olhos das irmãs. Elas passam o resto de suas vidas como mendigas cegas enquanto Cinderela vive no castelo do príncipe ou temos a linda Cinderela apaixonada pelo príncipe e as irmãs más casando com dois senhores – com todo mundo feliz para sempre
Esse é um dos contos de fadas mais antigos já registrados, e com a maior quantidade de variações também (+ou-700). Algumas versões envolvendo um peixe gigante no lugar da fada madrinha datam de 850AD! Em outras histórias a fada madrinha é na verdade uma árvore que nasce sobre o túmulo da mãe da Cinderela.
Há ainda outra versão (na verdade, ela é tão diferente que alguns nem a consideram como uma versão e sim um tipo de CINDERELLA ORIGINS) onde a cinderela era filha de um rei viúvo (algumas vezes a própria Cinderela foi quem matou a mãe) que jurou nunca mais se casar, a não ser que encontre uma mulher tão bela quanto a falecida esposa, que tivesse os cabelos cor de ouro, e que conseguisse calçar os mesmos sapatos da finada (fetiche por pés sacou!?). Acaba que sua filha (cinderela) preenche todos os requisitos, como 2 e 2 são 4, nada mais lógico que ele se casar com a própria filha.
Ela, por sua vez, na tentativa de fugir do casamento com seu próprio pai velho, barrigudo e incestuoso, foge pelo mar num armário de madeira (eu também achei estranho mais fazer o que, os caras eram criativos oras), no final ela consegue fugir, mas acaba do outro lado do mundo trabalhando como escrava na casa de mulheres malvadas, e daí pra frente começa a historia que vocês conhecem.
OS TRÊS PORQUINHOS
O conto dos Três Porquinhos foi muito amenizado para as crianças de hoje, ao contar uma história cheia de violência sem mostrar violência. Terminamos com um conto muito simplório que mostra “como é bom ser esperto”.A história original perdeu muito. O conto original não é mais longo, já que o lobo mau não perde tanto tempo assoprando casas. Ele faz isso para pegar os dois primeiros porquinhos. Aqueles coitados são logo pegos e devorados. O terceiro porquinho — o mais esperto de todos — é o entrave. Sem conseguir assoprar a casa de tijolos, o lobo tenta blefar. Ele faz de tudo para trazer o porco para fora de casa, promete nabos, maçãs, e uma visita à feira. O porco recusa a tentação, sabendo que há coisas mais importantes.O lobo decide então voltar à violência. Ele escala a casa e entra pela chaminé. Porém, o porquinho tinha planejado isso, e colocou um caldeirão de água fervendo na lareira. O lobo cai ali dentro e morre. Ele e os dois outros porquinhos em seu estômago — são agora o sinistro jantar do terceiro porco.
O GAITEIRO DE HAMELIN
No Conto do Gaitero, nos temos uma cidade infestada por ratos .Um homem chega vestido com roupas de gaiteiro (um caleidoscópio de cores) e se oferece para livrar a cidade dos vermes. Os aldeãos concordam em pagar uma grande soma de dinheiro se o flautista puder fazer isso – e ele faz. Ele toca música em sua gaita, o que atrai todos os ratos para fora da cidade. Quando ele retorna para o pagamento os aldeões não pagam o combinado, então o gaiteiro leva todas as crianças da cidade também.
Nas suas mais modernas variantes, o flautista atrai as crianças a uma gruta fora da cidade e quando os aldeões finalmente concordam em pagar, ele manda-as de volta. No original mais sinistro, o flautista leva as crianças a um rio onde todos eles se afogam (exceto um rapaz que coxo não podia acompanha-los). Alguns modernos estudiosos dizem que há conotações de pedofilia nesse conto de fadas.
RUMPELSTILSKIN
Este conto é um pouco diferente dos outros, porque foi modificado pelo autor o original para torná-lo mais macabro.
Na versão original do conto, Rumpelstiltskin transforma palha em ouro para uma jovem que enfrenta a morte a não ser que ela consiga fazer isso. Em troca, ele pede-a seu primeiro filho. Ela concorda – mas quando chega o dia para entregar a criança, ela não consegue. Rumpelstiltskin diz a ela que ele vai deixá-la fora do negócio, se ela adivinhar o seu nome. Ela ouve-o cantar o seu nome perto do fogo e por isso ela adivinha-o corretamente. Rumpelstiltskin, furioso, corre longe, para nunca mais ser visto. Mas, na versão atualizada, as coisas são um pouco mais confusas. Rumpelstiltskin fica tão irritado que ele bate o seu pé direito no solo. Ele então pega a sua perna esquerda e rasga-se no meio, o que o mata.
CACHINHOS DE OURO E OS TRÊS URSOS
Neste conto, ouvimos falar da linda Cachinho de Ouro que encontra a casa dos 3 ursos. Ela entra e come a sua comida, se senta em suas cadeira destruindo algumas e, finalmente, dorme na cama do urso menor. Quando os ursos voltam para casa eles encontram-na a dormir – ela acorda e escapa para fora pela janela aterrorizada. Na versão original (que na datas de 1837), tem duas variações possíveis. Na primeira, os ursos e encontrar Cachinho de Ouro e comem-na. Na segunda, Cachinho de ouro é na realidade uma velha bruxa que salta para fora de uma janela quando os ursos a acordam. A história acaba por dizendo que ela ou quebrou o pescoço ou foi presa por vagabundagem e mandada para a “Casa de Correção”.
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Todos já devem ter assistido ‘Alice no País das Maravilhas’ da Disney, certo? Quem tem um olhar digamos, mais profundo para as coisas deve ter percebido que é um filme bem viajado, fora dos padrões infantis (como a maioria)…O que eu acho que muita gente não sabe, é que o autor de Alice era um cara bem estranho. Primeiro, seu nome não era Lewis Carroll, e sim Charles Lutwidge Dodgson, nasceu na Inglaterra em 1832, foi matemático, lógico, fotógrafo e romancista foi reconhecido como tal após o seu sucesso com Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865. Faleceu em 1898, com 66 anos. Lewis Carroll era um homem muito tímido, e gostava muito de crianças (apenas as do sexo feminino) e de lhes contar histórias. Lewis enquanto lecionava em Oxford conheceu Henry Liddell, pai de 3 meninas – Alice, Lorina e Edite.
A verdadeira Alice era a filha de Henry, uma garotinha de 7 anos que virou musa inspiradora do livro, “Melhor Amiga” e modelo de uma série de fotos…O fato é que a literatura de Carroll está longe de ser tão despropositada quanto parece. A mãe de Alice queimou cartas de Lewis Carroll, nas quais ele se despedia da menina com “10 milhões de beijos” e costumava pedir cachos de cabelos de presente para beijar.
Pelo que li, sob a aparência sóbria, escondia-se um sentimento de culpa que o corroía de forma constante e implacável… Quando tinha oportunidade gostava de desenhar ou fotografar meninas seminuas, com a permissão da mãe. A maioria das fotos foi destruída ou devolvida, mas quatro ou cinco fotos ainda sobrevivem. Uma é de Evelyn Hatch, fotografada totalmente nua em 1878.A maioria dos personagens de Alice foram inspirados em pessoas e fatos reais pertencentes ao cotidiano de Lewis, como o grifo talhado em madeira na Catedral de Ripon, onde o pai de Lewis trabalhava como reverendo.
Sem querer fazer propagandas, mas achei interessante postar isso aqui: Lewis será retratado no filme “Phantasmagoria: As Visões de Lewis Carroll” em que o próprio Marilyn é o próprio Lewis e o diretor. Sinopse: Um escritor assombrado em um castelo isolado é atormentado por noites insônia e visões de uma garota chamada Alice. Ele se encontra tornando-se um sintoma de sua própria invenção. “Agora meus pesadelos sabem meu nome.” Ele é Lewis Carroll. Aterrorizado com o que o espera a cada noite.
Para quem não sabe, Phantasmagoria quer dizer é uma série de acontecimentos envolvendo mudanças drásticas de intensidade de luzes e cores; e também muitas vezes interpretado como um estado abstrato onde o real e o imaginário se misturam. E que é o nome de um poema do próprio Lewis
A VERDADEIRA HISTÓRIA POR TRÁS DOS CONTOS DE FADAS
Quando citamos contos de fadas, o que vem imediatamente à nossa mente? Oh sim, tudo começa com “era uma vez” e termina com “e eles foram felizes para sempre”. É o que nossas mães nos contavam antes de irmos dormir. Estes contos , além de populares, nos trazem lições de coragem, amor e bondade. Há sempre um príncipe, uma princesa, em vilão que pode ser um feiticeiro, um demônio e uma madrasta nos contos de Jacob e Wilhelm Grimm. São responsáveis pelas estórias de Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida e muitas outras que enfeitaram nossa infância. Mas, você sabe que estes dois irmãos coletaram estórias folclóricas em suas viagens pela Alemanha e que elas não foram dirigidas às crianças e sim aos adultos? em 1812, Jacob e Wilhelm publicaram seu livro intitulado “Contos para Crianças e Famílias”. Este foi uma antologia de contos de fadas, fábulas, alegorias religiosas e outras extraordinárias estórias. E, como foi dito antes, o livro não foi direcionado às crianças. Ele relata fatos brutais e rudes. Exemplo disto é a estória de Branca de Neve que, na original, foi obrigada pela madrasta a dançar com sapatos de ferro quente até cair morta. Isto preocupou algumas mães que não permitiram que suas crianças lessem os livros dos dois irmãos.
Você acredita que a estória real do Príncipe Sapo não era tão doce como é hoje? Na versão atual, a princesa beija o sapo que se transforma em príncipe e eles vivem felizes para sempre; mas, infelizmente no relato real, a princesa nunca beijou o sapo temendo adquirir verrugas e sim, atirou-o contra uma parede, tão forte quanto pode e BOOM! Ele se transformou em príncipe. Em 1825 os Grimms publicaram sua versão reduzida intitulada: Pequena Edição com 50 estórias. Com este livro, eles conseguiram chegar ao público infantil, o que acontece até hoje. Essa estaria realmente aquecem nossa alma e agitam nossa imaginação. As partes cruéis e brutais foram amainadas. Agora os pais as leem para seus filhos antes que adormeçam. Todos gostam porque elas ensinam às crianças a evitar falar com estranhos, a trabalhar, a cumprir suas promessas e muito mais. Tais contos farão uma criança dizer: “Leia mais uma, por favor!“.
CONTOS DE FADAS E A PSICANÁLISE
Do ponto de vista da repressão sexual, os contos são interessantes porque são ambíguos. Por um lado, possuem um aspecto lúdico e liberador ao deixarem vir á tona desejos, fantasias, manifestações da sexualidade infantil, oferecendo à criança recursos para lidar com eles no imaginário; por outro lado, possuem um aspecto pedagógico que reforça os padrões da repressão sexual vigente, uma vez que orientam a criança para desejos apresentados como permitidos ou lícitos, narram as punições a que estão sujeitos os transgressores e prescreve o momento em que a sexualidade genital deve ser aceita, qual sua forma correta ou normal. Reforçam, dessa maneira, inúmeros estereótipos da feminilidade e da masculinidade, ainda que, se tomarmos os contos em conjunto, os embaralhem bastante.Se a psicanálise estiver certa ao diferenciar fases da sexualidade infantil, podemos observar que a repressão atua nos contos seguindo essas fases: as crianças são punidas se muito gulosas (fase oral), se perdulárias ou avarentas (fase anal), se muito curiosas (fase fálica ou genital). Em certo sentido, os contos operam com a divisão estabelecida por Freud, entre o princípio do prazer (excesso de gula, de avareza ou desperdício, de curiosidade) e o princípio de realidade (aprender a protelar o prazer, a discriminar os afetos e condutas, a moderar os impulsos).
Para facilitar a exposição, vamos dividir os contos em dois grandes “tipos”: aqueles que asseguram à criança o retorno à casa e ao amor dos familiares, depois de aventuras em que se perdeu tanto por desobediência quanto por necessidade, e aqueles que lhe asseguram ser chegada a hora da partida, que isso é bom, desejável e definitivo.
Nos contos que designamos aqui como contos de retorno, a sexualidade aparece nas formas indiretas ou disfarçadas da genitalidade, que são apresentadas como ameaçadoras, precisando ser evitadas porque a criança ainda não está preparada para elas.Isto não significa que a criança seja assexuada, pelo contrário, mas que a sexualidade permitida ainda é oral ou anal. Em contrapartida, nos contos que aqui designamos como contos de partida, a sexualidade genital terá prioridade sobre as outras, com as quais vem misturada, e pode ser aceita depois que as personagens passarem por várias provas que atestem sua maturidade.
No Chapeuzinho Vermelho (que, na canção infantil, é dito “Chapeuzinho cor de fogo”, o fogo sendo um dos símbolos e uma das metáforas mais usados em nossa cultura para referir-se ao sexo), o lobo é mau, prepara-se para comer a menina ingênua que, muito novinha, o confunde com a vovó, precisando ser salva pelo caçador que, com um fuzil (na canção: “com tiro certo”), mata o animal agressor e a reconduz à casa da mamãe.Há duas figuras masculinas antagônicas: o sedutor animalesco e perverso, que usa a boca (tanto para seduzir como para comer) e o salvador humano e bom, que usa o fuzil (tanto para caçar quanto para salvar).Há três figuras femininas: a mãe (ausente) que previne a
filha dos perigos da floresta; a vovó (velha e doente) que nada pode fazer, e a menina (incauta) que se surpreende com o tamanho dos órgãos do lobo e, fascinada, cai em sua goela.A sexualidade do lobo aparece não só como animalesca e destrutiva, mas também “infantilizada” ou oral, visto que pretende digerir a menina (o que poderia sugerir, de nossa parte, uma pequena reflexão sobre a gíria sexual brasileira no uso do verbo comer).
O comer também aparece num outro conto de retorno, João e Maria. A curiosidade de João, depois acrescida pela gula diante da casa de confeitos, arrasta os irmãozinhos para a armadilha da bruxa (que é, na simbologia e mitologia da Europa medieval uma das figuras mais sexualizadas, possuída pelo demônio (o sexo), ou tendo feito um pacto com ele).A astúcia salva as crianças quando João exibe o rabinho mole e fino de um camundongo no lugar do dedo grosso e duro (o pênis adulto), evitando a queda do menino no caldeirão fervente (outro símbolo europeu para o sexo feminino, tanto a vagina quanto o útero).Há tempo para que o pai surja e os reconduza à casa, depois de matar a bruxa. (A imagem do caldeirão fervente também aparece em O Casamento de Dona Baratinha, o noivo nele caindo, vítima da gula, não podendo consumar o casamento.)
Nos contos de partida, a adolescência é atravessada submetida a provações e provas até ser ultrapassado rumo ao amor e à vida nova. Nesses contos, a adolescência é um período de feitiço, encantamento, sortilégio que tanto podem ser castigos merecidos quanto imerecidos, mas que servem de refúgio ou de proteção para a passagem da infância à idade adulta.É um período de espera: Gata Borralheira na cozinha, Branca de Neve semimorta no caixão de vidro, Bela Adormecida em sono profundo, Pele-de-Burro sob o disfarce repelente. Heróis e heroínas se escondem, se disfarçam, adoecem, adormecem, são metamorfoseados (como os príncipes nos Três Cisnes, a princesa em A Moura Torta, o príncipe em A Bela e a Fera, etc.).Em geral, as meninas adormecem ou viram animaizinhos frágeis (pomba, corça) e os meninos adoecem, viram animais repugnantes (frequentemente, sapos, o sapo sendo um dos companheiros simbólicos principais das bruxas) ou viram pássaros (o pássaro sendo considerado um símbolo para o órgão sexual masculino). A expressão, muito usada antigamente, “esperar pelo príncipe encantado” ou “pela princesa encantada” não queria dizer apenas a espera por alguém muito bom e belo, mas também a necessidade de aguardar os que estão enfeitiçados porque ainda não chegou a hora do desencantamento.
Gata Borralheira vai ao baile (primeiros jogos amorosos, como a dança dos insetos), mas não pode ficar até o fim (a relação sexual) sob pena de perder os encantamentos antes da hora. Deve retornar à casa, deixando o príncipe doente (de desejo), e com o par de sapatinhos momentaneamente desfeito, ficando com um deles, que conserva escondido sob as roupas.Borralheira e o príncipe devem aguardar que os emissários do rei-pai a encontrem, calce os sapatos, completando o par. Sapatos que são presente de uma mulher boa e poderosa (fada) e que pertencem apenas à heroína, de nada adiantando os truques das filhas da madrasta (cortar artelhos, calcanhar) para deles se apossarem. As filhas da madrasta querem sangrar antes da hora e sobretudo querem sangrar com o que não lhes pertence, de direito (relação sexual ilícita, repressivamente punida pelo conto).
Branca de Neve, cujo corpo não foi violentado pelo fiel servidor (não lhe arrancou o coração, a virgindade, substituindo-o pelo de uma corça) será vítima da gula e da sedução da madrasta-bruxa, permanecendo imóvel num caixão de cristal (seus órgãos sexuais) com a maçã atravessada na garganta, sem poder engoli-la.Além da simbologia religiosa em torno da tentação pelo fruto proibido (o sexo), o vermelho trazido pela bruxa liga-se também à simbologia medieval onde as bruxas fabricam filtros de amor usando esperma e sangue menstrual, bruxaria que indica não só a puberdade de Branca, mas também a necessidade de expeli-la para poder reviver. Despertará por um descuido dos anões vigilantes – a casinha na floresta, os pequenos seres trabalhadores que penetram em túneis escuros no fundo da terra (que na simbologia sexual é imagem da mãe fértil), um “Mestre”, um a ter sono permanente, outro a espirrar, outro não podendo falar, não foram proteção suficiente, a morte aparente tendo sido necessária para reter Branca. (Seria interessante observar a necrofilia do belo príncipe, pois pretende levar a morta em sua companhia.)
Bela Adormecida será vítima da curiosidade que a faz tocar num objeto proibido – o fuso, onde se fere (fluxo menstrual), mas sem ter culpa, visto que fora mantida na ignorância da maldição que sobre ela pesava. Sangrando antes da hora, adormece, devendo aguardar que um príncipe valente, enfrentando e vencendo provas, graças à espada mágica (também símbolo do órgão viril), venha salvá-la com um beijo. Em sua forma genital, o sexo aqui aparece de duas maneiras: prematuro e ferida mortal, no fuso; oportuno e vivificante, na espada.
De modo geral, heróis e heroínas são órfãos de pais (os heróis) ou de mãe (as heroínas), vítimas do ciúme de madrastas, padrastos ou irmãos e irmãs mais velhos. Essa armação tem uma finalidade.Graças a ela, preservam-se as imagens de pais, mães e irmãos bons (pai morto na guerra, mãe morta no parto, irmãos menores desamparados), enquanto a criança pode lidar livremente com as imagens más.Há um desdobramento de cada membro da família em duas personagens, o que permite à criança realizar na fantasia a elaboração de uma experiência cotidiana e real, isto é, a da divisão de uma mesma pessoa em “boa” e “má”, e dos sentimentos de amor e ódio que também experimenta. Lutar contra padrastos, madrastas e seus filhos é mais fácil do que lutar com pai, mãe e irmãos.
Freqüentemente, os contos se estruturam de modo mais complexo. Em A Bela Adormecida, por exemplo, há várias figuras femininas superpostas: a mãe ausente; a fada má que maldiz a criança; a fada boa que substitui a morte pelo sono e promete um salvador; a velha fiandeira, desobediente, que conservou o fuso proibido; a menina curiosa e desprevenida que, andando por lugares desconhecidos e subindo por uma escada (símbolo da relação sexual) se fere e adormece, à espera da espada e do beijo.A fada má pune o rei que a excluiu de um festa dedicada à fertilidade (o nascimento da princesa), a punição consistindo em decretar a morte da menina quando esta apresentar
os sinais da fertilidade (maldição que simboliza o medo das meninas diante da menstruação e da alteração de seus corpos).
A morte da menina decorre da curiosidade que a faz antecipar com um objeto errado (masturbação) a sexualidade.A fada boa está encarregada de contrabalançar o equívoco (e o descuido masculino, que não suprimiu todos os fusos) colocando a menina na tranqüilidade sonolenta da espera e entregando a espada ao príncipe (que, portanto, recebe o objeto mágico de uma mulher, pois todos nascem de mulheres). O beijo final contrabalança o medo que a espada poderia provocar, pois é instrumento de guerra e morte (o beijo simboliza, em muitas culturas, não só amor e amizade, mas também um pacto ou uma aliança).Na maioria dos contos, o pai é indiretamente responsável pela maldição ou pelas desventuras da filha. Mas em A Bela e a Fera o pai é diretamente responsável ao arrancar de um jardim que não lhe pertence, uma rosa branca, despertando a Fera. Há no roubo da flor a simbolização do desejo e do medo inconsciente das meninas de serem raptadas ou violentadas.A figura masculina se divide: há o pai-bom e o homem-fera, divisão que obriga Bela a viver com o segundo para salvar o primeiro. Contudo, desejando rever o pai doente, Bela deixa que Fera, abandonada, também adoeça (de desejo).A imaturidade de Bela, seu medo da Fera, seu desejo de permanecer junto ao pai só são superados quando, pela piedade e pela sedução, retorna ao castelo da Fera, dedica-se a ela e, ao fazê-lo, quebra o encanto, surgindo o belo príncipe com quem viverá. O conto se desenvolve como processo de amadurecimento da heroína e de constituição da imagem masculina através de seus desejos. Do pai à fera, da fera ao príncipe.
Em Pele-de-Burro, o desejo incestuoso do pai é a mola do conto. A primeira tentativa da filha para evitar o incesto fracassa: pede vestido feitos de Natureza (sol, mar e lua), mas a Natureza não é contrária ao incesto, o rei podendo perfeitamente conseguir os vestidos.A princesa deve, então, fugir. Mas seu disfarce indica os efeitos do desejo incestuoso do rei: cobre-se numa pele de burro, animalizando-se. Num outro reino (que não o da Natureza), a princesa irá aos bailes da corte, mas, como a Gata Borralheira, não pode ficar até o fim para não correr o risco de ser descoberta. Porém, o príncipe apaixonado ficará doente e o remédio virá no bolo feito pela princesa. Bolo que possui o mesmo sentido e o mesmo efeito que a espada mágica, porém com a marca do feminino: é no interior do bolo que se encontra o remédio salvador, o anel.
Embora os contos reforcem estereótipos de feminilidade e masculinidade e preconceitos sobre homem e mulher, são ambíguos e ricos e por isso não são sexistas: a salvação pode ser trazida tanto pelo herói quanto pela heroína. As fadas, aliás, possuem um objeto mágico supremo, talismã dos talismãs: a vara de condão, sendo seres excepcionais porque reúnem atributos femininos e masculinos, sonho e fantasia de todas as crianças (e não só delas, evidentemente).
Em Os Três Cisnes, é a menina quem quebra o encantamento dos irmãos, tudo dependendo de sua força de vontade (ficar em absoluto silêncio durante sete anos) ou moderar o princípio de prazer, e de sua coragem e destreza para acertar as setas, no momento exato, nos corações dos três cisnes, matando-os para que vivam os irmãos.Ela é portadora de um objeto viril – o arco e flecha -, sabendo usá-lo. Sua destreza é ímpar: deve usar, e usa, o arco tendo os olhos vendados (….. a venda nos olhos é símbolo
medieval para a morte. Este conto, portanto, realiza uma verdadeira crítica da relação sexo-morte, pois morte dos cisnes é nascimento de sua virilidade, por obra de uma mulher. E o incesto, aqui, é óbvio).
Além de não serem sexistas e de contornarem o incesto, os contos não condenam o sexo com animais: é o amor e o afeto pelos animais que permitirá desencantá-los.Alguns psicanalistas consideram que as primeiras manifestações da sexualidade estão liadas ao que denominam escolha de objeto e objeto parcial.A mãe (ou quem faz o papel de mãe para a criança) seria o primeiro objeto escolhido e seus seios seriam o primeiro objeto parcial.Por outro lado, como a mãe não está permanentemente presente, acarinhando e alimentando a criança, esta desenvolve fantasias sobre o objeto parcial: ausente ou faltando, torna-se um mau objeto; presente e satisfatório, torna-se um bom objeto.
A criança desenvolve também fantasias de agressão e de ternura com relação a esses objetos, sobretudo a da perseguição, no caso do mau objeto. Assim, nos contos, frutas, plantas, flores e alimentos venenosos ou ardilosos seriam objetos parciais maus ou persecutórios, mas contrabalançados por bolos, filtros, poções, jóias que trazem saúde e quebram feitiços, sendo objetos parciais bons, com os quais a criança e os contos realizam a reparação do objeto escolhido, amado e odiado.
O objeto parcial persecutório mais perfeito, porém, é aquele que não é devorado pela criança, mas que ameaça devorá-la. Nos contos: os dragões, os lobos, os ogros, as tempestades, as florestas sombrias, os castelos cheios de armadilhas. E para contrabalançar tamanha perseguição e reparar o objeto amado, nos contos de retorno, adultos salvam as crianças da perseguição e, nos contos de partida, a sexualidade amadurecida e vencedora das fantasias persecutórias mais antigas aparece no próprio herói ou na heroína cujos objetos mágicos (oferecidos por um bom adulto) lhes permitem, sozinhos, vencer a perseguição. Nesse mesmo contexto, compreende-se que a fada tenha a vara e a princesa dos Três Cisnes, o arco. É colocado em mãos femininas algo que poderia ser fonte de temor para as meninas.
São raros os casos, nos contos de retorno, em que a criança consegue voltar à casa sozinha, sem auxílio de algum adulto, mesmo porque a finalidade do conto é mostrar o despreparo da criança para sair pelo mundo.
A grande exceção é o Pequeno Polegar, criança em tudo excepcional.
Como seu nome indica, Pequeno Polegar é uma anomalia (e talvez por isso o entusiasmo das crianças por ele), o tamanho compensado pela inteligência fora do comum. As botas de sete léguas, que com astúcia consegue, além de serem capacidade mágica para vencer o espaço e o tempo (a pouca idade), são também meio de assegurar à criança que seus órgãos sexuais pequenos não exigem renúncia dos desejos, mas imaginação para satisfazê-los. É interessante observar que, se nos Três Cisnes a menina empunha o arco, aqui o menino entra num enorme e protetor “recipiente’: as botas. E se sai muito bem.
O Pequeno Polegar é um dos contos onde melhor aparecem tanto o medo que a criança tem da rejeição (ser morta pelos pais) quanto a necessidade de reparação, sito é, de
recompor a bondade dos pais depois da fantasia de sua imensa maldade. Por isso mesmo as proezas maiores são feitas.
Polegar substitui para si próprio e para os irmãozinhos o pai e a mãe por pais ideais: as botas acolhedoras e salvadoras do menino que não abandona os irmãos, os protege contra os perigos da floresta e contra o gigante, os traz de volta à casa com fortuna, garantindo a sobrevivência da família. Não há príncipes nem princesas, tudo depende da inteligência e imaginação da criança pobre e minúscula.
Há nos contos contínua intervenção de bons adultos, mas que não intervêm de modo casual ou arbitrário e sim de acordo com várias regras, entre as quais se destaca a escolha dos mais fracos (o caçula, o órfão, a vítima) e dos que têm senso de justiça, além da coragem. O uso dos talismãs também está submetido as regras, os transgressores sendo punidos (perda da potência do objeto mágico, retorno do objeto contra o usuário) ou protelada a chegada à meta (a seqüência de provas recomeçando ou tornando-se mais árdua).
Heróis e heroínas precisam demonstrar que são dignos do talismã (seja por suas qualidades anteriores à recepção do objeto, seja pelo uso que dele faz, seja pela obediência às regras de seu emprego).
Em resumo: as condutas estão reguladas por normas e valores, a finalidade do conto sendo persuadir a criança de que tais normas são boas e verdadeiras e que o sofrimento decorre apenas de sua desobediência. É o compromisso do conto, situado entre o lúdico e a repressão.Na maioria dos contos, o talismã é dom de um adulto para uma criança, mesmo que esta não o saiba. Há, porém, uma formidável exceção: João e o Pé de Feijão.
Obtido numa sabida transação (que os adultos não entendem e castigam) o grãozinho de feijão, bom sêmen, plantado em boa terra, cresce durante uma única noite. Gigantesco caule, sobe, sobe, eleva-se até `s nuvens, rijo e duro, o menino podendo nele trepar. Como era inevitável, João penetra no castelo do gigante malvado (figura masculina ameaçadora) que possui um segredo precioso, uma galinha que bota ovos de ouro (imagem feminina da fertilidade, guardada em segredo, fonte de riqueza: os que nascem). Dela se apodera João, fugindo pelo caule, perseguido pelo gigante e, para salvar-se, o menino corta o belo pé de feijão.
O conto procura lidar com um elemento repressivo complicado. Obtida a galinha chocadeira de riquezas por um furto (justo, pois o gigante é mau e a família, pobre), esse ato tem clara significação incestuosa e pode ser um risco para a vida da família e do menino, pois o gigante se põe a descer pela árvore, a mesma por onde o menino trepara. É preciso cortar o pé de feijão depois que o essencial foi conseguido, isto é, a fertilidade. O sexo cresce livremente – é como um elemento da natureza, um vegetal -, mas essa liberdade deve encontrar um limite e ser freada, cortada. O menino que subiu é o gigante mau que desce. E vem com fúria assassina.
Os contos de fadas, tais como os conhecemos, são resultado de muitas reelaborações na sociedade européia, fixados nos séculos XVIII e XIX, carregando as concepções desses séculos sobre a sexualidade (e sobre outras coisas também).
Ora, é interessante observar que, no século XIV, ao lado desses contos, surge, na Inglaterra, um outro tipo de estória, em certos aspecto semelhante ao maravilhoso dos contos, mas com uma diferença fundamental: o mundo adulto não é apresentado com divisões e ambigüidades, bom e mau, difícil e desejável, mas como mau e indesejável.
Estamos pensando em Peter Pan e em Alice – o menino que recusou crescer, ficando na Terra do Nunca, e a menina cujo autor não desejou que ela crescesse, fazendo-a conhecer a luta mortal e absurda com a Rainha do Baralho num tabuleiro de xadrez.
Muitos comentadores, de formação psicanalítica, afirmam que o medo de Peter Pan o faz preferir a imaturidade sexual, o homossexualismo e a masturbação (o pó de pirlimpimpim e o vôo), e que as “perversões” de Lewis Carrol (o autor de Alice) o fazia sentir atração sexual pelas meninas, não desejando que ficassem adultas.
Não pretendemos refutar nem concordar com esse comentadores. Gostaríamos apenas de lembrar que essas estórias foram imaginadas num período conhecido como o da “moral vitoriana”, quando a Inglaterra, passando pela Segunda revolução industrial, mantinha o controle capitalista sobre o mundo.
A sociedade desse período é narrada e descrita por inúmeros autores como uma das sociedades mais repressivas da sexualidade. Assim sendo, podíamos considerar a recusa do mundo adulto por Peter Pan e por Alice, em vez de “anormal”, talvez muito saudável e lúcida. A Terra do Nunca, apesar do Capitão Ganho, é perfeita, mas o País das Maravilhas é feito de ameaças e de frustrações.
Num romance da escritora inglesa Virgínia Woolf, Orlando (estória de um homem-mulher que vive em dois períodos diferentes da história da Inglaterra), a romancista descreve o momento em que, adormecendo como rapaz no século XVII, a personagem desperta como mulher, em pleno século XIX: vê por toda parte casais com trajes cinza e negro, o céu é tenebroso e opressivo e a moça despertada sente uma dor inexplicável no dedo anular esquerdo (isto é, onde se coloca a aliança de casamento).
Muitos adultos ficam chocados com a violência dos contos de fadas e se surpreendem com o fato de que não a percebiam quando eram crianças, comprazendo-se nela. É que a maioria das crianças, além de aceitar naturalmente o maravilhoso, espera com inabalável certeza aquilo que o conto promete e sempre cumpre: “e foram felizes para sempre”. A gente se engana, portanto, quando tenta “açucarar” os contos ou omitir as passagens “violentas”.
Muitos se surpreendem com o fato de as crianças não só desejarem ouvir inúmeras vezes os mesmos contos (numa repetição que deixa os adultos extenuados), mas também não admitirem qualquer mudança no enredo, por menor que seja (cobram do adulto que “encurta” a estória, omite ou esquece algum detalhe, altera alguma ação). Essa relação quase maníaca e obsessiva da criança com a narrativa é essencial.
A montagem do enredo, a configuração das personagens, os detalhes constituem um mundo cuja estabilidade repousa no fato de poder ser repetido sem alteração, contrariamente ao cotidiano da criança que, por mais rotineiro, é feito de mudanças. Além disso, os contos, operando com metamorfoses, desaparecimentos e reaparecimentos, morte incompleta dos bons e morte definitiva dos maus, funcionam em consonância com as fantasias da criança, particularmente o modo como estrutura o desaparecimento e o reaparecimento das pessoas mais próximas, que ama e de quem depende. Inúmeras crianças inventam jogos de esconder e achar objetos, pois sabem onde estão.A vantagem do conto sobre a realidade, neste aspecto, consiste no fato de que enquanto, nesta última, a criança jamais terá certeza do retorno dos desaparecidos ou do sumiço definitivo daqueles que teme ou odeia, no conto tudo isto lhe é assegurado, a presença e a ausência ficando apenas na dependência dela própria e, para tanto, exige a narração e a repetição.
Qual de nós não experimentou as emoções de brincar de “pique” ou “pegador”? Encontrar é vencer uma prova diante do desaparecimento. Mas, aspecto relevante, o medo de ser encontrado também é importante porque nos torna visíveis no que desejaríamos ocultar. E, por isso, não ser encontrado também define o vencedor. Não é sugestivo que as crianças menores adorem esse jogo, só que, esconder-se para elas, é fechar os olhos? Acreditam que o que não estão vendo as esconde. Maravilhosa fantasia. Maravilhosa onipotência (como Adão, entre as árvores, imaginando que Deus não o vê porque não é visto por ele).
Freqüentemente os adultos temem o prazer manifestado pela criança diante da “violência” da narrativas. Em geral, o adulto teme, inconscientemente, ser identificado com os “maus”, sem perceber que essa identificação é sempre contrabalançada pela identificação com os “bons” e, sobretudo, que ela é saudável para ele e para a criança que pode, pela fantasia, fazer discriminações que lhe seriam difíceis ou quase impossíveis sem o material imaginário.
Não é raro vermos crianças que se sentindo ou se imaginando pouco amadas e temerosas do ódio que experimentam por alguns adultos tenderem a duas atitudes muito compreensíveis. Algumas “torcem” pelas bruxas, pelos ogros e dragões, identificando-se com eles e dando vazão á agressividade que, doutro modo, poderia ser punida se manifestada. Outras, se enchem de pavor, pois os “bons” lhes parecem muito longínquos e inalcançáveis, enquanto os “maus” lhes parecem muito próximos e poderosos. Em certo sentido, pode-se dizer que não o prazer e sim o pavor sentido por algumas crianças é que poderia ser considerado como uma espécie de aviso ou de alerta de uma sexualidade com sofrimentos e dificuldades.
O prazer pelos contos não vai sem discriminação. A criança discrimina os valores ali lançados e os organiza para si própria. Em contrapartida, como observou Bettelheim, a maioria das crianças não aprecia fábulas. Qual a criança que não sente ofendido o seu senso de justiça na fábula de A Cigarra e a Formiga? Feitas por adultos para adultos, a fábula desagrada a criança porque esta não é moralista. A ética infantil não passa pelos códigos estreitos dos apólogos nem pelo cultivo da frustração, próprio das fábulas – a raposa sem as uvas, o corvo sem o queijo, o cão sem a carne. Se a criança tolera a
exigência de moderação dos impulsos, não tolera vê-los permanentemente frustrados. À patologia repressiva da fábula, ela opõe uma outra economia do prazer.
Como Emília, sempre sem-cerimônia, que fabula a fábula, conta outro conto e muda a moral da estória, para escândalo de Dona Benta.Visitando Pele-de-Burro – Ao dar à luz uma menina, a rainha morre deixando viúvo e triste o rei que, desde então, apenas cuida da princesa.
Chegando esta aos quinze anos, sua semelhança com a mãe é tão grande que o pai por ela se apaixona, desejando casar-se com ela. Aterrorizada, a menina procura refúgio junto à aia que a criara. Dando tratos à bola, finalmente a aia julga ter encontrado um estratagema para impedir o casamento. Instrui a menina para que faça ao pai um pedido impossível de ser satisfeito, mas condição para aceitá-lo como marido. Deve pedir-lhe um vestido feito de sol.
Ouvido o pedido, o rei convoca todos os tecelões e tecelãs do reino e ordena que o vestido seja feito. Em três dias, está pronto. A aia repete o conselho, mas agora o vestido deve ser de lua. Feito. Novo pedido, mas de um vestido de mar. Também feito. Furioso com a recusa o rei declara que se casará com a princesa, de toda maneira, caso contrário mandará matá-la. Apiedada, a aia obtém uma pele de burro, nela envolve a menina e a leva para fora do reino, deixando-a entregue à própria sorte.
Assim disfarçada, Pele-de-Burro chega ao reino vizinho onde consegue trabalho como cozinheira do palácio e, por causa de seus aspecto, dão-lhe como morada o chiqueiro. Todas as noites, antes de dormir, Pele-de-Burrro usa seus vestidos e chora seu triste destino.
O filho do rei chega à idade do casamento. O pai convida todas as damas solteiras do reino e dos reinos vizinhos para três bailes, quando o príncipe deverá escolher a esposa. Usando seus vestidos de sol, lua e mar, Pele-de-Burro comparece aos bailes e, desde a primeira noite, é a preferida do príncipe que somente com ela dança.Ela não revela o nome, onde vive , quem é.Ao fim do terceiro baile, retorna ao chiqueiro e à cozinha. O príncipe adoece e médicos vindos de toda parte não conseguem curá-lo porque desconhecem seu mal.Pele-de-Burro faz um bolo colocando seu anel de princesa na massa. Leva ao príncipe que, na primeira dentada, morde o anel, retira-o da boca e o reconhece. Indaga quem o colocou ali. Pele-de-Burro é trazida e diante de todos retira a pele, aparecendo no vestido de sol. Curado imediatamente, o príncipe se levanta, pede-a em casamento, é aceito e logo se iniciam os festejos. E os dois foram felizes para sempre.Neste conto, a mãe morta não é substituída pela madrasta perversa, mas pela boa aia que criou, aconselhou e protegeu a menina contra o desejo incestuoso do pai. Este, diferentemente de outros contos, não é um pobre velho infeliz, mas um fogoso senhor. A não ser por essas diferenças, no restante o conto parece seguir o padrão dos demais: os quinze anos da princesa e os riscos daí advindos, a fuga, o esconderijo na pele de burro, na cozinha e no chiqueiro, os bailes e o casamento com o príncipe, depois de salvá-lo. No entanto, a trama é bem complicada.
A bondade da aia é ambígua e suspeita. Inicialmente procura esconder a menina, conservando-a no quarto, longe, portanto, do desejo paterno. Depois, sugere os vestidos que, além de serem feitos com elementos naturais (a Natureza não proíbe o incesto) e não poderem proteger a menina, ainda a transformam em sedutora, exacerbando o desejo paterno, culminando na ameaça de morte (ameaça que alguns estudiosos chamam de “julgamento do Rei Lear”, para lembra o rei da tragédia de Shakespeare que repudia a filha Cordélia porque não julga suficiente seu amor filial). Finalmente, é a aia quem coloca a menina no interior da pele de burro repelente e a conduz para longe da casa (numa expulsão benigna, mas expulsão de todo modo).
Aparentemente, as personagens se distribuem duas a duas: rei-princesa, princesa-aia. Na realidade, a relação é ternária, pois entre o pai e a filha se coloca a aia-mãe. Morta no parto, reaparece como ama-de-criação.
A figura da aia comanda toda a primeira parte do conto, numa atitude vingadora contra o rei e a filha. Nessa primeira parte, a menina está sob a ameaça de dois amores: o do pai e o da aia, mas se a ameaça do primeiro é percebida por ela, a da segunda fica imperceptível sob o disfarce da proteção. A personagem complexa, portanto, é a da aia e não a do rei. Este, tudo mostra; aquela, tudo oculta. Relegada ás partes servis do castelo, nele reina.
A situação, porém, é mais complexa. A aia-mãe, falsa protetora, também está a serviço de uma outra fantasia. Aparentemente, o desejo incestuoso parte do pai. Na verdade, parte da filha, a aia estando a serviço do ocultamente desse desejo, colocada, como nas peças teatrais, na qualidade de comparsa e cúmplice.
O amor da menina pelo pai não pode aparecer porque sua aparição exigiria o ódio pela mãe. Ora, visto que o que a faz amada pelo pai é sua total semelhança com a mãe, ela não só já conseguiu ocupar o lugar materno, mas ainda colocar a mãe no lugar subalterno de uma serviçal. Lugar, que a seguir, ela própria ocupará, ao tornar-se cozinheira, desalojando a mãe de todos os lugares. Há uma luta surda e inteiramente dissimulada na relação princesa-aia.O disfarce da pele de burro é significativo. Não significa apenas a animalização da menina por obra do pai e da mãe. Significa mais alguma coisa. Em várias religiões existem rituais propiciatórios dedicados á purificação e à fertilidade. Na Grécia, por exemplo, existe o rito dionisíaco de morte do bode para expiação das culpas, renascimento e fertilização da terra.
Nesse ritual, os participantes se cobrem com peles de bode, dançam, têm relações sexuais e bebem vinho, encenando a história do deus Dioniso, morto por amor de sua mãe e ressuscitado pelo sacrifício por ela feito. Coberta na pele de burro, a menina realiza um rito semelhante, ao qual se acrescenta a morada no chiqueiro.
Diferentemente de Branca de Neve e de Bela Adormecida, sua espera ou passagem não se realiza pelo sono, mas à semelhança de Borralheira, vive na sujeira e na impureza e, à semelhança de Bela, vive com animais.
Essa impureza tem vários sentidos. É, por um lado, a menstruação, encarada na maioria das culturas como impureza que isola as mulheres, fazendo-as intocáveis. São os desejos proibidos, a masturbação (vestir os vestidos antes de dormir), a fase anal, por outro lado. Mas não só isso.
Analisando o significado das cinzas e do borralho, na borralheira, Bruno Bettlheim lembra que na antiga Roma as Vestais (meninas da mais alta estirpe romana que deveriam permanecer virgens até os trinta anos), estavam encarregadas de uma das mais altas, nobres e importantes funções: a conservação do fogo sagrado, protetor de Roma. Ora, Pele-de-Burrro vive no chiqueiro, mas é cozinheira no palácio, vivendo ao pé do fogão. Esse lugar não só a transforma de recebedor de alimento (criança) em doadora dele (mãe), mas também lhe dá uma nova figura: trabalha com o trigo (o bolo) e este é símbolo de virgindade (a Virgem, do Zodíaco, carrega um ramo de trigo) e de fertilidade. Articulam-se, assim, vida, morte, pele de animal para purificação, virgindade e fertilidade.
Quanto aos bailes, já vimos seu sentido principal nos contos. Vestida de natureza, a princesa dança e seduz.Quanto ao bolo, também lá mencionamos seu sentido.
Resta o anel. Além de símbolo evidente da aliança matrimonial, o anel assume sentido para a sexualidade da personagem masculina. Antes de enfiá-lo no dedo, o príncipe o coloca na boca. Sua doença é a infantilidade. Sua cura, transferir o anel da boca para o dedo, e reconhecê-lo como um objeto doado por Pele-de-Burro, não podendo devorá-lo
Os vestidos também são significativos, além do sentido geral de elementos da natureza. Em inúmeras mitologias, esses elementos são deuses e costumam formar uma trilogia ou trindade indissolúvel: sol-dia-luz-fogo-sexo; lua-noite-treva-mistério-sexo; mar-água-abismo-sexo. Força vital, força mágica e força concebedora.
O número três, cujo significado preciso desconhecemos neste conto, é considerado em muitas culturas o número perfeito ou número da harmonia e da síntese dos contrários.
Possui poderes mágicos (repetir três vezes uma expressão ou um gesto). Na filosofia pitagórica, foram a figura perfeita e sagrada do triângulo constituído pelos dez primeiros números.Na Cabala, três são as luzes mais altas do infinito, formando o “teto dos tetos” e três são as letras do nome de Deus quando esta passa de “nada” a “Eu”. Três são as Pessoas da Santíssima Trindade. Três vezes Pedro negou Cristo. Três são as essências ou hierarquias celestes (na primeira: tronos, serafins e querubins; na segunda: poderes, senhorias e potências; na terceira: anjos, arcanjos e potestades). Três são as partes da alma. Três as virtudes cardeais (fé, esperança e caridade).
Três vestidos, três bailes. Em Branca de Neve, três vezes a madrasta vai à casa dos anões (na primeira, com o cinto de fitas, na segunda, com o pente, na terceira, com a maçã). Três são as filhas em A Bela e a Fera e na Gata Borralheira, como três são as irmãs no três Cisnes e nas Três Plumas.
Três vezes, na canção, “Terezinha foi ao chão” e “acudiram três cavalheiros/Todos três chapéu na mão/o primeiro foi seu pai/o segundo, seu irmão/o terceiro foi aquele a quem ela deu a mão”.
A referência que fizemos aos contos de fadas foi muito sumária, deixando de lado aspectos importantes como, por exemplo, outros significados das próprias fadas e demais figuras maravilhosas, ou outros sentidos da relação entre a bondade e a maldade, para a criança, e a divisão dos bons e maus nos contos.
Também não analisamos os vários significados dos animais e das plantas (oriundos de mitologias e simbologias de várias épocas), dos elementos naturais como água, fogo, ar e terra (sobre os quais o filósofo Gaston Bachelard escreveu, considerando-os arquétipos do inconsciente universal), das poções e filtros preparados por fadas e bruxas (sobre os quais os historiadores muito têm pesquisado), das palavras mágicas (que aprecem em outros contextos, como no filme de Fellini, Oito e Meio, onde, ao pronunciar as palavras “Asa Nisa Masa”, o menino traz e expulsa fantasmas e realiza desejos).
Não analisamos os objetos mágicos, embora tenhamos feito breve referências às espadas, aos bolos, às botas, aos sapatinhos (mas nada dissemos sobre o espelho, em Branca de Neve e A Bela e a Fera, o espelho aparecendo no pensamento ocidental em idéias como “os olhos são espelho da alma”, ou como feitiço perigoso, à maneira de Narciso que se apaixonou por sua própria imagem, propiciando o surgimento do conceito de narcisismo ou de fase do espelho, na psicanálise).
Apesar dessas lacunas, gostaríamos de sugerir aqui que os contos trabalham em dois níveis: um imaginário (a estória propriamente dita) e um simbólico (a construção implícita do enredo, o lugar e a hora de cada peripécia, os objetos, as cores, os números, as palavras).
Gostaríamos também de lembrar que os símbolos não estão no lugar de outra coisa não são substitutos, mas são a própria coisa presentificada por meio de outras. O símbolo realiza ou traz a coisa por intermédio de outra.
Também não nos detivemos nas posições sociais e políticas das personagens – reis, rainhas, príncipes, princesas, servos, camponeses. Nem no fato de alguns serem estrangeiros ou deformados (não é curioso, por exemplo, que haja uma Moura que é torta?). Nem nos demoramos na estrutura da família encontrada nos contos. Numa palavra, as dimensões históricas, ideológicas e políticas foram silenciadas.
Sobretudo não fizemos qualquer menção á alma dos contos, isto é, que são obras literárias. Nada dissemos de sua construção artística, de suas origens, transformações e reelaborações no decorrer do tempo (situações medievais tratadas com recursos do romantismo, por exemplo), do modo como participam de várias fontes diferentes de pensamento (como a Cabala, presente na escolha dos números, privilegiando o 2, o 3, o 7 e o 10; na escolha das horas, particularmente a meia-noite; na escolha de vegetais, cores, metáforas), do significado da ordem de aparição e desaparição de personagens ou da seqüência dos eventos (uma análise de tipo estrutural poderia mostrar, por exemplo, porque a seqüência é sempre a mesma).
Essa ausência da consideração artística é grave sobretudo quando consideramos dois fatos culturais: a pasteurização dos contos de fadas por Disney e o surgimento de um literatura infantil “realista”.
Na disneylândia (exceção feita para duas obras-primas de Disney: Fantasia e Branca de Neve e os Sete Anões), opera-se uma curiosa inversão. Em lugar de encontrarmos, como nos contos narrados, a criança lidando consigo mesma ao lidar com a divisão dos bons e dos maus, encontramos adultos fabricando a “boa criança” com quem possam conviver sem medo. O desenho só é lúdico se for “bondoso” (a contraprova sendo o horror de um filme como Pinóquio).
Para melhor avaliarmos essa perda, podemos relembrar A Bela e a Fera, no filme de Jean Cocteau. Além da ambigüidade na relação entre pai e filha e na rivalidade das irmãs pelo amor paterno, Cocteau dá especial atenção à figura de Fera: na cena do desencantamento descobrimos que um mesmo ator faz dois papéis; num deles, é um adolescente enamorado de Bela que, voltada para o pai, sequer o percebe; noutro, é a Fera.O desencantamento é a reunificação das figuras que sempre foram uma só, estando duplicadas apenas por causa do medo de Bela. Medo magistralmente tratado na cena do espelho, onde se revezam as imagens de Bela, do pai, da Fera e do apaixonado. Na relação sexual, com que termina o filme, Bela e o Príncipe, enlaçados, as roupas agitadas pelo vento, suavemente elevam-se nos ares, sumindo por entre as nuvens.
Por sua vez, a chamada literatura infantil realista, além de privar a criança do acesso ao imaginário maravilhoso, fundamental para sua constituição, procura criar a “criança útil”, que compreende o mundo “tal como é” (com o detalhe de que é “tal como é” para o adulto que escreveu a estória), aceita a divisão social dos papéis como divisão sexual correta, faz do trabalho e do sucesso valores centrais. A fantasia é considerada perigosa ou inútil.Essa literatura, pretensamente realista, substitui a criança sabida, inventiva, crédula e astuta, amedrontada e valente, pela criança tonta e “bem-intencionada”.
Talvez fosse bom relembrarmos a obra de Monteiro Lobato que não reprimiu “perversões” (Narizinho e o Príncipe Escamado, Emília e Rabicó), escrevendo na certeza de que a criança é inteligente, sabida e crítica.
Afinal, não realizou a mais extraordinária proeza quando, trazendo ao Sítio do Pica-Pau Amarelo as personagens dos contos de fadas, deu-lhes a oportunidade de convocar os autores dos contos e julgá-los, Emília propondo recontar doutro jeito as estórias? Pena que a televisão também tenha pasteurizado Lobato.
Enfim, não mencionamos o maravilhoso elaborado no folclore brasileiro. Por que será que o canto da Uiara seduz e mata os homens? O Saci-Pererê é preto, perneta, usa barrete vermelho e pita um pito de barro? O Curupira tem os pés virados para trás? No conto do Sete Estrelo os filhos abandonados viram estrelas, brilhando no céu? No conto A Figueira, a madrasta enterra as enteadas, cujos cabelos se transformam em árvore e cujo canto triste permite a um homem descobri-las e salvá-las? Mas não custará ao jovem leitor partir em busca desse imaginário, se quiser.
Fontes:
- http://www.lendo.org
(tradução livre e modificada)
- http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/contosfadaspsicanalisechaui.html
- http://cineterrortrash.blogspot.com.br
- http://sobrenatural.org
- http://www.supernaturalbrasil.org/?p=9418
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